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Criptomoeda: os riscos da futura moeda do Facebook
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    Criptomoeda: os riscos da futura moeda do Facebook

    Publicado em: 11 de julho de 2019

    A nova criptomoeda levanta vários riscos e pode afetar tanto a soberania de nações como o ambiente das empresas.

    O recente anúncio da criação da nova criptomoeda, chamada Libra, pelo Facebook, fez surgir uma série de discussões laterais sobre os impactos dessa nova moeda global. Se bem implantada, ela tem o potencial de ser utilizada por toda a base de usuários do Facebook, o que gira em torno de 2,4 bilhões de pessoas.

    A nova criptomoeda levanta vários riscos e pode afetar tanto a soberania de nações como o ambiente das empresas. Porém, antes de falarmos sobre eles nesse artigo, vale a pena dar uma introdução rápida sobre o dinheiro e as criptomoedas. Vamos lá?

    Como surgiu o dinheiro?

    O dinheiro foi criado pela civilização, basicamente, para conseguir trocar bens e serviços diferentes utilizando algo que as partes confiem como sendo uma unidade comum de valor. Antes da cunhagem da moeda, civilizações usavam e ainda usam outras coisas para representar este valor, como conchas, sal, grãos, cigarro, metais preciosos, dentre outros materiais.

    Qualquer que seja o dinheiro, ele é usado porque o coletivo confia naquele meio de troca. Inicialmente, o dinheiro era feito de coisas com um valor inerente, ou seja, podiam ser usadas para outros fins produtivos que não a troca em si.

    Posteriormente, o dinheiro passou a ser coisas que não possuíam valor inerente, como os metais preciosos e, por último as cédulas de papel moeda. O amálgama, que une a evolução do dinheiro ao longo da história, se resume a uma palavra: confiança. A confiança permite que o dinheiro seja um meio de troca, pois o coletivo acredita e concorda que aquele bem possui um valor que é igual para todos.

    Para migrar de coisas com valor inerente para coisas praticamente abstratas, o dinheiro precisou de autoridades que passaram a cunhar o dinheiro e a certificar que aquilo que estava sendo usado era legítimo e com valor. E, para se ter valor, o recurso precisa ser escasso, limitado e demandar esforço para ser criado.

    O que é e como funciona o lastro?

    Com o surgimento das cédulas de dinheiro, a escassez era assegurada pelo lastro. Este lastro era antigamente atrelado a metais preciosos. As primeiras cédulas surgiram como certificados de depósito de metais preciosos nos bancos que emitiam estes papéis para facilitar as trocas comerciais.

    Ao invés do comerciante andar com um lingote de ouro no bolso, poderia andar com certificados de papel fracionados que representariam aquele ouro. Assim, o dinheiro passa a ser uma reserva de valor, pois mantém a sua preciosidade ao longo do tempo.

    O lastro ouro foi implementado em meados do século XIX pelo Reino Unido, então potência mundial, e foi o primeiro sistema monetário internacional. O objetivo era buscar um equilíbrio e expandir a confiança das trocas entre os países, focando no equilíbrio financeiro internacional.

    O lastro ouro era a materialização da confiança entre as moedas dos estados soberanos. Inicialmente, se adotou o padrão libra-ouro. Com a hegemonia dos EUA após a Segunda Guerra Mundial, o padrão dólar-ouro foi imposto mundialmente.

    O lastro ouro acabou em 1971, quando os EUA aboliram a paridade ouro-dólar. Atualmente, vivemos sem um sistema monetário internacional. Sendo assim, até o ano de 2009, o que imperava no sistema econômico internacional eram as moedas soberanas fiduciárias de curso forçado. Ou seja, moedas baseadas em confiança (fiduciárias), emitidas por um agente centralizado soberano (banco central) e de uso obrigatório nos estados soberanos (curso forçado).

    Como surgiu a criptomoeda?

    Paralelamente a isto, existia um grupo de ativistas digitais que, desde o surgimento da internet, não aceitavam que as trocas digitais precisassem passar por meios de pagamento controlados por bancos e grandes operadores do sistema financeiro.

    Se, na vida real, o papel-moeda permite que duas partes realizem trocas comerciais sem intermediários, no mundo digital, transações comerciais com dinheiro real necessitam de um intermediador. Estes intermediadores cobram taxas que, em alguns casos, são impeditivas para quem possui baixa renda. Além disso, por força de lei e compliance, são exigidos documentos que comprovem a existência das pessoas e a sua renda.

    Por serem empresas privadas, determinam sua atuação com base no retorno financeiro do negócio. Essas características impedem a universalização do sistema financeiro e mantêm bilhões de pessoas desbancarizadas e à margem do sistema econômico.

    Tentativas de criação de uma moeda digital começaram a ser desenvolvidas no final dos anos 80. Todas elas falhavam em ponto: o gasto duplo. Ao receber uma moeda virtual, era impossível evitar que aquele bem fosse replicado em duas ou mais transações. Logo, havia a possibilidade de criar infinitas moedas.

    Foi então que, em 2008, um (ou mais de um) desenvolvedor anônimo, com o pseudônimo de Satoshi Nakamoto, divulgou o documento que, no ano seguinte, se materializaria como Bitcoin. Ela tornou-se uma criptomoeda com uma tecnologia que resolvia definitivamente o problema do gasto duplo e permitiria a troca entre pares (peer to peer) sem a necessidade de intermediação centralizada.

    Essa tecnologia foi posteriormente chamada de Blockchain (cadeia de blocos). O Bitcoin é um recurso escasso e limitado, pois desde sua concepção, é definido que serão emitidos 21 milhões de Bitcoins.

    Além disso, sua criação demanda esforço, que é materializado pela utilização de poder computacional para resolver um problema matemático antes que os outros. O ganhador dessa corrida valida, então, um bloco que será integrado à cadeia de blocos e, por isso, ganha uma quantidade de bitcoins.

    A dificuldade do problema matemático cresce à medida que mais poder computacional entra na rede. Se nos primórdios do bitcoin era possível validar um bloco com um notebook, atualmente o poder computacional plugado na rede é muitas vezes superior ao mais potente supercomputador do mundo.

    O nome desse modelo é o POW (Proof of Work – Prova de Trabalho). Considerando o dólar como comparador de poder de compra, o valor do bitcoin é flutuante e condicionado às leis de oferta e demanda.

    Como dito anteriormente, a rede do bitcoin é descentralizada, pois funciona com poder computacional dos mineradores. Também permite que outros usuários possam se conectar democraticamente ao sistema rodando “nós” de validação das transações, sem necessidade de nenhuma aprovação de um agente. A isto se dá o nome de acesso não permissionado.

    Logo, o alto poder computacional aliado à descentralização do mesmo tornou o sistema imune a ataques de hackers. Porém, o lado negativo disso é a escalabilidade de uso, pois para evitar o gasto duplo, todas as transações do bitcoin precisam ser validadas a ponto de gerar um consenso entre todos esses usuários. E isso pode demorar.

    O exemplo oposto são os meios de pagamentos centralizados, como os cartões de crédito. A validação da transação precisa ser feita apenas pela bandeira do cartão. Isto permite que muitas transações sejam feitas ao mesmo tempo, garantindo a escalabilidade.

    Entenda como a criptomoeda revoluciona o sistema financeiro

    Estamos presenciando revolução na qual a criptomoeda chamada Bitcoin marcou o início da separação entre o dinheiro e o Estado. O sucesso da rede bitcoin levou à criação de centenas de outras redes de blocos nos anos seguintes, com características distintas e singulares, mas que, em resumo, romperam com a hegemonia das moedas soberanas fiduciárias de curso forçado.

    Essas novas características envolvem o surgimento do POS (Proof of Stake – Prova de participação), um modelo onde a mineração é substituída pela participação do usuário, que pode ser mensurado pelo tempo conectado na rede, a quantidade de criptomoedas que ele possui, e assim por diante. Também fomentou o surgimento das stablecoins, criptomoeda que é lastreada em um ou mais ativos com baixa volatilidade, redes privadas com acesso permissionado, etc.

    O desafio atual da criptomoeda é preencher as características que as tornariam efetivamente um dinheiro universal. Devem ser uma reserva de valor, garantindo a sua preciosidade ao longo do tempo, precisam ser um meio de troca e, para isso, sua utilização deve ser amplamente difundida e, por último, deve ser uma unidade de conta.

    Além disso, deveriam endereçar problemas que o sistema financeiro atual está sendo incapaz de atuar, que é a universalização do uso com baixas taxas de transação. Também deve oferecer uma interface amigável de uso, com o mínimo de fricção possível no processo. Acima de todas essas características, deve haver o guarda-chuva principal que sela todas essas características entre todos os participantes e usuários desse sistema financeiro: a confiança.

    O papel da criptomoeda do Facebook nesse contexto

    Diante de todo contexto histórico do dinheiro, chegamos então às aspirações do Facebook de criar uma criptomoeda chamada Libra.

    Em resumo, esta moeda pretende endereçar todas essas oportunidades, por meio de uma criptomoeda com acesso permissionado. Ela irá usar a Prova de Participação, lastreada em uma cesta de ativos já existentes e gerenciada por uma associação sem fins lucrativos, composta por organizações com fins lucrativos.

    Em resumo, é uma rede privada, composta por um grupo seleto de empresas escolhidas pelo Facebook para operarem os nós dessa rede, mediante uma contribuição de USD 10 Milhões para a criação da moeda.

    Riscos da criptomoeda do Facebook

    Sob o prisma macroeconômico, o principal risco está associado à perda da independência de alguns países. Eles podem ter sua moeda oficial substituída pela Libra, num processo de “libralização” das economias.

    O processo de enfraquecimento de moedas locais pode se iniciar por uma corrida de demanda para as moedas que compuserem esta cesta de ativos da libra, gerando o enfraquecimento de moedas fora da cesta, como o Real, por exemplo.

    Com a moeda fraca, alguns países serão forçados a ancorar sua moeda na nova Libra, uma vez que será um ativo com maior reserva de valor e, a depender da implantação, um meio de troca efetivo. Para isto, os bancos centrais desses países passariam a comprar Libras imprimindo cada vez mais a moeda local. Isso a enfraqueceria até o ponto de perder a importância dela e ser definitivamente substituída.

    Neste cenário, o país cuja economia está “Libralizada” abre mão de sua política monetária e cambial, uma vez que não tem mais soberania e autonomia sobre a sua moeda e se submete à fundação que gerencia a Libra.

    De certa forma é isso que ocorre hoje com os países europeus, que abandonaram suas moedas locais para usarem o Euro. Porém, este movimento, além de controlado, foi feito em países com economias relativamente equivalentes e com graus de desenvolvimento semelhantes. Além disso, todos que abriram mão de suas moedas estão representados no Banco Central Europeu, coisa que não aconteceria com a Associação Libra.

    Esta associação sem fins lucrativos, composta por empresas privadas com fins lucrativos, seria responsável por gerenciar as reservas da cesta de ativos cuja a criptomoeda Libra for lastreada. Também é responsável pela destruição das Libras, de acordo com a política de gestão de reservas.

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    Preocupações em adotar a criptomoeda do Facebook

    Existem 2 aspectos obscuros e que precisam de maior transparência para construir a confiança dos atores deste sistema.

    1. Quem latreará a Libra?

    O primeiro é definir quem serão os parceiros do sistema financeiro atual que irão receber as reservas da cesta de ativos que lastrearão a Libra.

    Esta é uma discussão que se dá com a stablecoin Tether (USDT) que, atualmente, é lastreada em dólar. Atualmente há USDT 3,5 bilhões de tokens emitidos e nada garante que há 3,5 bilhões de dólares em reserva para lastrear estes tokens.

    E, mesmo se existir esse montante, não se sabe em qual instituição financeira ele se encontra e qual o risco dela. A falta de transparência sobre o USDT já provocou alguns solavancos no mundo da criptomoeda. A falta de transparência sobre os detentores das reservas de lastro da Libra podem gerar impactos sistêmicos em economias reais.

    2. Transparência na cunhagem e destruição

    O segundo ponto obscuro da nova criptomoeda é a transparência na cunhagem e destruição da Libra. Em um ambiente fechado, com participação restrita aos membros dessa associação, a cunhagem e destruição dos tokens ficaria restrita apenas a este grupo.

    Sob o prisma microeconômico, o principal impacto está no total redesenho do mercado financeiro dos países, gerando uma ruptura semelhante ao que, por exemplo o Uber, Airbnb e Netflix fizeram, respectivamente, com os mercados de mobilidade, hotelaria e mídia de entretenimento.

    Ou seja, uma solução mais simples, fácil e barata de usar rompe com o modelo tradicional do mercado e, por consequência, com seus participantes. As fintechs de meio de pagamento locais poderão sucumbir ou perder grande relevância diante da nova criptomoeda.

    Este processo já pôde ser visto, por exemplo, no Quênia, onde a Vodafone criou o M-Pesa, que é uma espécie de banco por celular. Esta solução foi massivamente adotada no país, encampando mais de 60% da população adulta do país.

    Na China, o WeChat, similar ao Whatsapp, possui um sistema completo de meio de pagamento que permite transações online e offline. Porém, em ambos os casos, as empresas usam moedas locais para transações e não desenvolveram seu próprio dinheiro.

    A ética como desafio para a implantação da Libra criptomoeda

    A ética como desafio para implantação da Libra

    Sob o prisma da ética organizacional e compliance, algumas das empresas que fazem- parte da Associação Libra não possuem um histórico ilibado a ponto de carregar a confiança de todas as partes em uma moeda global.

    Basta lembrar o caso do acesso ilegal de dados de usuários do Facebook pela Cambridge Analytica, as acusações de manipulação das eleições na África e implicações da empresa no genocídio de Mianmar.

    Alega-se, porém, que comportamentos individuais das empresas seriam contidos na Associação que seria composta, em grandes linhas, por empresas de alta reputação. Este mesmo argumento não faz efeito para as grandes instituições financeiras da atualidade que permitem anualmente a lavagem de USD 2 trilhões.

    E falando em lavagem de dinheiro, esta é uma questão que fica em suspenso nesse novo sistema financeiro. A livre transação da Libra entre fronteiras, por meio de carteiras desassociadas das identidades dos seus donos é um prato cheio para esquentar dinheiro ilícito.

    Se no atual arcabouço complexo que dita as regras para contenção de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, as instituições possuem brechas, este novo cenário não apresenta melhorias para isto.

    Além dos riscos acima, há inúmeros outros que podem ser explorados. A oportunidade de prover acesso ao sistema financeiro para uma massa de desbancarizados e à margem do atual modelo, passando pela separação entre estado e dinheiro já é uma realidade.

    Porém, há dois caminhos postos no horizonte. Transferir esta tutela para a população, por meio de um sistema verdadeiramente descentralizado ou concedê-lo a um grupo de empresas que regerão o novo sistema financeiro.

    Como vimos, a criptomoeda terá impactos profundos tanto nas instituições financeiras como no comportamento de consumo digital como um todo. Agora, resta saber como responder aos questionamentos acerca dos riscos e impasses éticos que serão os novos desafios para esse novo paradigma monetário.

    Você compartilha dessas preocupações acerca da nova criptomoeda do Facebook? Então comente o post e compartilhe sua opinião conosco.

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