A notícia de que Donald Trump pouparia determinados segmentos do agronegócio de um tarifaço de 50%, conforme reportado pela Forbes, representa um desenvolvimento relevante no contexto de política comercial. A medida tem implicações políticas, econômicas e estratégicas, sobretudo em função da seletividade adotada na aplicação das tarifas.
Implicações políticas e econômicas imediatas
Do ponto de vista político, a isenção parcial pode ser compreendida como uma tentativa de modular os impactos internos de uma política tarifária ampla. A exclusão de determinados setores visa reduzir resistências e preservar bases de apoio econômico, minimizando uma pressão inflacionária e impactos em poder de compra e margens de lucros das corporações envolvidas.
Economicamente, a aplicação seletiva de tarifas introduz distorções competitivas entre setores. Os segmentos tarifados enfrentarão aumento de custos, com efeitos potenciais sobre preços finais, margens de lucro e estrutura das cadeias de suprimento. Já os segmentos não tarifados permanecem fora desse impacto imediato, o que pode alterar a dinâmica interna do mercado e influenciar decisões de investimento, produção e distribuição.
A diferenciação tarifária pode gerar impactos heterogêneos para empresas americanas e países que mantêm relações comerciais com os Estados Unidos.
Para o mercado interno americano:
- Agronegócio americano – setores isentos: a isenção representa uma janela de oportunidade para fortalecer sua posição no mercado interno e, possivelmente, externo, se a tarifa impactar concorrentes estrangeiros. Essas empresas poderiam aproveitar para aumentar a produção, investir em tecnologia e expandir sua participação de mercado, dada a proteção tarifária. A estratégia aqui seria de expansão e consolidação.
- Agronegócio americano – setores não isentos: para estes, a janela é ameaça. A estratégia deve focar em mitigação de riscos: buscar novos fornecedores e parceiros, otimizar custos de produção, diversificar portfólios ou, em casos extremos, considerar a realocação da produção ou a saída do mercado. Há uma urgência em reavaliar a cadeia de valor e a resiliência operacional.
- Para importadores e varejistas americanos: a isenção no agronegócio poderia aliviar a pressão de custos em determinados produtos, abrindo uma janela de oportunidade para otimizar margens ou repassar benefícios aos consumidores, gerando maior volume de vendas. Contudo, para produtos não isentos, a janela se fecha, exigindo estratégias de reposicionamento de preços ou busca por fornecedores alternativos.
- Para países exportadores, como o Brasil, e seus setores de agronegócio: aqueles países que exportam para os EUA os produtos do agronegócio isentos poderiam ver uma janela de estabilidade ou crescimento em suas exportações. No entanto, para os produtos tarifados, a janela se fecha, forçando uma reorientação estratégica de mercados ou uma busca por acordos bilaterais que mitiguem o impacto.
Perspectivas de estratégias organizacionais e de negócios do agronegócio brasileiro
As organizações precisam adotar uma abordagem estratégica flexível e proativa diante de tais incertezas políticas e econômicas:
- Análise de cenários e resiliência da cadeia de suprimento
Organizações devem conduzir análises de cenários abrangentes para avaliar os possíveis desdobramentos de políticas tarifárias e seus impactos operacionais. A diversificação de fornecedores, rotas logísticas e alternativas geográficas torna-se um fator central para mitigar riscos associados a restrições comerciais ou mudanças abruptas no ambiente regulatório. - Agilidade e adaptação estratégica
A capacidade de revisar e ajustar rapidamente modelos de negócios é essencial. Isso pode envolver a reformulação de portfólios de produtos, a renegociação de contratos com fornecedores e clientes, ou a reestruturação de canais de distribuição, com o objetivo de manter a viabilidade operacional diante de variações no custo ou disponibilidade de insumos. - Gestão de relações institucionais e acompanhamento regulatório
Setores expostos a medidas tarifárias devem considerar o fortalecimento de suas frentes institucionais, com foco em relações governamentais e monitoramento de processos decisórios. O acesso tempestivo a informações regulatórias pode ser determinante para antecipação de riscos e preparação de respostas estratégicas. - Inovação e ganhos de eficiência
A introdução de inovações em processos, produtos ou modelos de negócio pode ser uma forma de enfrentar cenários de aumento de custos ou restrições comerciais. Estratégias voltadas à eficiência operacional e ao redesenho de cadeias de valor contribuem para a sustentação da competitividade em ambientes adversos. - Monitoramento contínuo do ambiente externo
A volatilidade nas políticas comerciais reforça a necessidade de inteligência de mercado estruturada. O acompanhamento constante de variáveis geopolíticas, regulatórias e macroeconômicas permite a detecção antecipada de riscos e a preparação para mudanças repentinas nas condições de mercado.
A decisão de adotar tarifas de forma seletiva em setores do agronegócio nos EUA pode provocar desdobramentos relevantes para diferentes atores da economia global. O cenário reforça a importância de estratégias adaptativas, análise regulatória contínua e gestão de riscos comerciais. Organizações expostas a esse ambiente devem manter vigilância sobre o tema e estar preparadas para respostas ágeis diante de novos movimentos na política comercial norte-americana.
Cintia Soares
Cintia é Associate Director de Markets & Advisory Transformation na Protiviti Brasil. Executiva com mais de 23 anos de experiência nos segmentos de serviços financeiros, tecnologia, saúde, agroindustria, consultorias de transformação organizacional e Big Four. Certificada em Estratégia, Expansão e Vendas. Especialista em Design de Projetos de alta complexidade e estruturantes, Planejamento Estratégico, Comercial, Marketing, Growth, Relacionamento com o Mercado, Novos Negócios.